Cenário de curto-prazo.

Iniciamos a terça-feira com a seguinte narrativa:

Os ativos de risco estão operando com viés negativo essa manhã. A despeito da recuperação dos ativos de risco após o Brexit, na percepção de que os Bancos Centrais ao redor do mundo darão suporte aos mercados, e os impactos do evento ficarão limitados, começa a surgir efeitos colaterais que testam essa tese mais construtiva. Primeiro, os bancos na Itália estão passando por um momento delicado, com a urgente necessidade de capitalização e/ou uma solução concreta para seus NPLs. Segundo, surgem notícias que alguns fundos imobiliários na Inglaterra tiveram que “fechar” para resgates, já que as saídas de recursos estavam em montante que poderiam afetar a liquidez e o preço dos ativos. O evento já está sendo comparado aos dois fundos da Bear Sterns nos EUA que, no início da crise de 2008, foram os primeiros instrumentos a apresentar problemas de liquidez com o mercado de crédito.

O dia se encaminhou com notícias adicionais de fechamento de fundos imobiliários na Inglaterra para resgate, e nova pressão no preço das ações dos bancos na Itália. A depreciação da moeda da China também é um tema que merece atenção.

Por hora, vejo um claro cenário de contágio econômico da crise da Inglaterra sobre o resto do mundo. Ainda não me parece claro que existam componentes que levem o contágio econômico a um contágio financeiro e sistêmico. No tocante aos fundos imobiliários da Inglaterra, o problema, até o momento, se mostra mais em uma questão de liquidez do que de solvência. Não parece haver alavancagem nestes produtos. Todavia, existe um canal de contágio econômico, via preços mais brandos de imóveis, e menor atividade no setor, que pode vir a tornar o cenário de crescimento para o país ainda mais desafiador.

Os fundos em questão são detentores de propriedades comerciais, em sua maioria. O resgate acelerado de cotas desses fundos tende a gerar a necessidade de venda de parte desses imóveis, criando um “mismatch” de curto-prazo. As vendas deveriam pressionar os preços dos imóveis, especialmente em áreas onde já existiam sinais de “bolha”, como Londres. É natural supor que o Brexit gere um menor crescimento do país, pressionando também os preços dos imóveis residenciais. Este cenário poderia acarretar em aumento da inadimplência em dívidas imobiliárias, afetando a rentabilidade de um setor bancário que já apresenta enormes desafios.

Repito, por hora, essa dinâmica é uma dinâmica normal em um processo de menor crescimento. De crise econômica. A crise econômica se tornaria uma crise financeira caso a situação dos bancos se mostre menos saudável do que o imaginado anteriormente. Não há sinais de que existe hoje, na Inglaterra, a mesma alavancagem, e os mesmos derivativos, que existiam nos EUA em 2008. A situação é fluida, mas merece atenção.

A crise bancária na Itália, contudo, merece atenção maior, já que o risco de “corrida bancária” e/ou contágio para bancos de outros países da Europa não pode ser desprezado.

Minha visão tem sido bastante clara. Eu vejo a atuação dos BCs como positiva, mas insuficiente para resolver os problemas estruturais da economia global. Eles serão capazes de dar suporte ao mercado no curto-prazo, mas os efeitos de suas medidas são cada vez mais limitados e custosos. Em relação ao Brexit, acho muito cedo para os investidores terem a certeza de que seus efeitos serão baixos, localizados e limitados. A volatilidade recente me parece natural em um cenário de incerteza.

O preço dos bonds dos países desenvolvidos, assim como o preço das ações dos bancos na Europa e da GBP estavam, até hoje, emitindo sinal distinto do que o preço dos ativos emergentes, das commodities e de algumas bolsas ao redor do mundo. Por um lado, eu entendo que haja espaço para diferenciação entre classes de ativos e região. Por outro lado, vejo um case claro de menor crescimento global, com riscos efetivos a estabilidade financeira, que não vinham sendo efetivamente descontados pelo mercado. Não pretendo apregoar um cenário de crise. Minha visão é aberta e flexível.

Como tenho comentado nos últimos posts: O cenário de curto-prazo continua a ser de crescimento baixo, mas sem um risco evidente de recessão. O choque do Brexit, até o momento, se mostrou pequeno e de baixo impacto, o que trouxe conforto aos investidores para manter uma postura de busca por yields. O curto-prazo deve manter estas tendências, até que este cenário seja testado por algum choque adicional (Brexit? Bancos na Itália? China?). Os preços dos ativos de risco começam a mostrar valuations menos atrativos e a posição técnica vem se tornando menos positiva a medida que o tempo passa.

No curto-prazo, o mercado precisará reavaliar o real impacto do Brexit sobre o crescimento global, assim como os efeitos financeiros sobre o setor bancário na Europa. A clara tendência de depreciação da moeda da China também começa a preocupar, pois indica um cenário ainda desafiador para o crescimento do país.


O momento é de se manter líquido e flexível, aberto para cenários mais construtivos, ou mais desafiadores.

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