Possível mudança de cenário.
Eu entendo que é sempre difícil tentar isolar os efeitos da
dinâmica de curto-prazo dos mercados financeiros globais das análises de
fundamentos de longo-prazo. Até o momento, vinha trabalhando com um cenário de
curto-prazo de maior incerteza e volatilidade, com acomodação nos ativos de
risco, mas sem alterar de forma significativa o cenário relativamente
construtivo para o longo-prazo, com crescimento global saudável, inflação ainda
baixa no mundo desenvolvido e movimentos apenas graduais de normalização
monetária nas principais economias do mundo.
Nos últimos dias, talvez nas últimas semanas, alguns sinais me
levam a crer que este pano de fundo global possa estar caminhando para dar
menos suporte aos ativos de risco, especialmente em um momento de preços
elevados e valuations esticados. Ainda acho que seja cedo para ter uma
conclusão definitiva em relação a esses vetores, mas precisamos estar atentos a
essas alterações. O cenário geralmente não muda de uma hora para outra, mas vai
se alterando de maneira gradual, com o acumulo de evidências na mesma direção.
A uma semana atrás, escrevi o seguinte em relação aos EUA e o
mundo (https://mercadosglobais.blogspot.com.br/2017/10/tecnico-dinamica-de-mercado-e-cenario.html):
Quero levantar aqui uma discussão que,
talvez, estejamos em um ponto de inflexão importante da economia dos EUA (e, em
menor parte, do mundo). Por mais que os números de hoje não possam ser lidos a
valor de face, olhando no contexto geral, parece cada vez mais evidente que o
mercado de trabalho esteja no pleno emprego e que as leis econômicas possam
voltar a operar em plena normalidade, com uma inflação ascendente de agora em
diante, especialmente nos EUA. Isso teria impactos relevantes para política
monetária e para os mercados. Por ora, ainda vejo este cenário como gradual e
relativamente tranquilo, no que tenho cunhado como “Beautiful Reflation”.
Contudo, estarei acompanhando de perto a evolução deste cenário e da dinâmica
do mercado para eventuais mudanças de estruturais de cenário.
Nas últimas semanas, vimos sinais cada vez mais claros de que a
direção da política monetária no mundo desenvolvido é no sentido de normalização,
que alguns chamam de “Quantitative Tightening”. Fed, ECB, BoC, BoE, PBoC e,
agora, até mesmo o BoJ parecem caminhar nesta direção. Será a primeira vez em
cerca de 10 anos que os principais bancos centrais do mundo entrarão em um
processo coordenado de retirada global de liquidez. O processo deverá ser bem
comunicado e bastante gradual. Não necessariamente precisará gerar ruptura.
Contudo, por ser um evento nunca antes implementado, me parece prudente adotar
uma postura mais cautelosa em relação a este caminho.
A China, que foi uma fonte estabilizadora ao longo deste ano,
pode se tornar um vetor menos positivo de agora em diante. Ainda não vejo um
cenário de ruptura para o país, mas muitos já esperam uma desaceleração do
crescimento após o Congresso Político que está em andamento. A transformação de
uma economia emergente para uma economia mais madura está gerando uma clara
mudança de composição do crescimento. Assim, muitos parceiros comerciais do
país, que foram tremendamente afetados positivamente nas últimas décadas por
serem fornecedores de matéria prima para o crescimento via investimentos,
poderão ser estruturalmente afetados por esta mudança na composição do
crescimento. Muitos países emergentes se encaixam nesta definição e poderiam
(deveriam) ter um vetor a menos de propulsão nos próximos meses (quiçá anos).
Encerro este comentário reforçando que me parece cedo para ter
conclusões mais concretas em relação a estes temas, mas como comentei
anteriormente, as mudanças de cenário costumam ocorrer de maneira gradual.
Assim, precisamos estar atentos a qualquer sinal de alteração com o desafio de
concluir o que é ruído de curto-prazo do que o que é, de fato, mudança de
cenário.
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