Os desafios de se investir em um novo Brasil e o problema da “cota diária”:

Quem vos escreve é um gestor de fundo multimercado, transformado em chefe de investimentos (ou CIO, no termo em inglês) de uma gestora de patrimônio. Deixarei as diferenças de semântica para outra oportunidade. Não são os cargos, o ego ou a vaidade que importam neste fórum.

O que nos importa neste momento é que como (antigo) gestor de fundos, sou um grande entusiasta e apoiador dos fundos multimercados. Como responsável pela alocação de recursos, seja via macro alocação, seja na seleção de gestores, preciso ter um olhar mais crítico (e críticas podem ser positivas ou negativas) à situação atual do mercado e a melhor direção a ser tomada.

Com a Taxa Selic a 6,5% e as perspectiva de manutenção de juros mais baixos por mais tempo no Brasil, cresceu bastante o debate em torno da necessidade de uma mudança de mentalidade por parte do investidor brasileiro no tocante aos seus investimentos.

Os tempos de retornos de 1% ao mês, sem risco, ou sem volatilidade, ficaram para trás. Este é um fenômeno relativamente novo no país e uma reflexão que está apenas em seus primórdios.

Nos últimos anos vimos um boom - “nunca antes visto na história deste país” – de crescimento da indústria de fundos, sendo que a classe de Multimercados foi uma das grandes favorecidas por este movimento. O advento das plataformas de investimentos, a democratização dos investimentos, foi um processo extremamente positivo e saudável para o mercado como um todo.

Os investidores passaram a ter acesso a gestores antes intangíveis para o grande público, e os gestores passaram a ter acesso a uma “piscina” de investidores, que com tecnologia e terceirização da área comercial, ajudou-os a diversificar seu passivo sem aumento expressivo de burocracia ou complexidade operacional.

Contudo, agora, começamos a ver os efeitos colaterais de todo este processo. Com os juros em 6,5%, as taxas de administração de 2% ao ano (somadas as taxas de performance de 20% sobre o que exceder o CDI), em um mercado cujo o crescimento tornou alguns fundos grandes demais para a liquidez dos ativos brasileiros, coloca o trabalho do alocador e do analista de fundo de fundos ainda mais em evidência.

O que vemos no Brasil é uma correlação extremamente elevada entre os fundos multimercados, salvo raríssimas exceções. Grande parte dos gestores ainda concentra suas alocações em ativos no Brasil e, via de regra, nos mesmos ativos e na mesma direção.

A mentalidade do investidor e os incentivos errados da indústria de distribuição deixam os fluxos de investimentos extremamente voláteis. O investidor brasileiro ainda não está acostumado a investir com visão de longo-prazo, e isso cria uma “bola de neve”, pois prejudica os gestores à medida que estes divulgam “cotas diárias”, ou seus retornos diariamente. Assim, em momentos de volatilidade, os gestores são levados a reduzir ou zerar suas alocações, mesmo que o cenário não tenha mudado, mas por uma questão de administração de seus passivos.

Em um Brasil de juros baixos, as taxas terão um peso excessivo sobre os fundos. Este debate é antigo nos EUA, mas novo no Brasil. Não é uma novidade no mundo.

Nosso desafio, como alocador, é buscar fundos descorrelacionados entre si, que mostram consistência de retornos ao longo do tempo, mas que sejam capazes de navegar um Brasil e uma indústria que está mudando.

Buscar novas classes de ativos, como crédito “high yield”; e/ou gestores que alocam em nichos de mercado, como ativos da América Latina e não apenas do Brasil; e/ou gestores “long and short” neutros; e/ou fundos quantitativos, são alguns caminhos a serem seguidos. Seria um caminho de nicho de mercados, com as macro-alocações centradas em ativos diretos.

Os fundos multimercados podem passar por uma nova rodada de questionamentos, como classe, caso não consiga se adaptar a este novo ambiente.

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